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2006 – Memórias de um bikepacking nos Pirenéus

Até obter a carta a bicicleta era o meu veículo de deslocação principal e como tal o bichinho do BTT sempre cá ficou. Quando adquiri a minha “Kona Caldera” amarelita passeios de 1 dia não chegavam. Eu tinha de experimentar algo mais longo e demorado. A primeira experiência foi na Serra da Estrela, 3 dias em autonomia onde a atravessei da torre para norte. Depois seguiu-se os Pirinéus em 2006.

              O meu objectivo com estes circuitos BTT em autonomia era realizar percursos que fossem tanto quanto possível por trilhos não acessíveis a veículos motorizados. Se não, podia muito bem vir de mota ou de jipe! Na altura não usava GPS era tudo à base de cartas de montanhismo e como já tinha algumas da zona do Parque Nacional de Ordesa foi essa a zona escolhida. Delineei um percurso circular a começar em Gavin e usando caminhos pedestres quanto possível e evitando pendentes muito acentuados. Levava tudo na bicicleta, tenda, saco cama, comida, roupa e ferramentas. É claro que com uma bicicleta carregada qualquer pendente mesmo pouco acentuado num caminho pedestre é um desafio, o que ficou bem claro pouco depois de arrancar!

A 1ª parte da viajem, de Gavin a Asin de Broto foi numa zona de enormes vales criados pelos rios e ficou marcada pela secção final, antes de chegar a Asin de Broto onde tinha estipulado seguir por uma caminho pedestre pelo Barranco de Glera e depois de Forcos. E foi aqui que comecei a perceber o quanto desafiante é uma bicicleta carregada num trilho pedestre. Apesar de já vir a contar carregar com a bicicleta se necessário, na prática é mais duro do que imaginava. Mesmo assim e já a contar com isso, levei a bagagem de uma forma diferente. Em vez de transportar a bagagem toda nos alforges, levava também a mochila de montanhismo por cima dos alforges com parte da carga. Assim quando necessário transportar a bicicleta às costas, ou neste caso ao ombro, levava a mochila ás costas que tornava a coisa bastante menos penosa. Mas claro não deixa de ser pouco prático andar com bicicletas por cima de rochas em caminhos estreitos ao longo de um rio!

A 2ª parte da viagem ficou marcada pela passagem num conjunto de aldeias abandonadas. Ainda me lembro bem da primeira onde cheguei. Uma descida empedrada rodeada de floresta e de repente aparecem as casas todas em pedra e uma capela. O mais estranho é que apesar de algumas estarem em ruínas grande parte estava em relativo bom estado. Parecia uma autêntica aldeia fantasma. Foi após a passagem nesse conjunto de aldeias abandonadas que cheguei ao local desta fotografia tirada com a minha 1ª máquina fotográfica, uma Minolta 5D. Esta viagem e esta foto marcou o início da minha vida como fotógrafo tando que desde então nunca mais me consegui separar destas caixinhas “mágicas”.

Na 3ª parte da viagem, já no 4º dia de viagem, tinha delineado fazer a pista de Nerin a Torla que passa na parte de cima da garganta de Ordesa. O que não contava é que já nesta altura o parque era muito restritivo, de tal modo que nem de bicicleta se podia passar. Quando cheguei a uma casinha com um suposto guarda do parque fiquei logo a saber que não podia passar por ali. Só que tive a sorte do meu lado. O guarda era um grande apreciador de BTT e fâ da Kona de tal modo que disse-me para continuar o meu caminho e que se alguém me pergunta-se algo para eu dizer que não me tinha visto a passar, como se fosse possível à velocidade que eu estava a subir a pista… A subida, em terra batida era desgastante. Ia até aos 2200 metros, com um desnível de 1100 metros sempre a subir em 14kms! É claro que a recompensa é a extraordinária vista para o Vale de Ordesa. Apesar de já o conhecer das 2 vezes que já lá tinha ido em montanhismo, nunca tinha estado naquele local. Depois de algumas fotografias e segui para a 2ª recompensa. Uma descida em terra batida com desnível de 1200 metros até Torla em 12kms! Aqui o esforço das pernas da subida transferiu-se para o desgaste dos braços a tentar absorver a trepedição que a suspensão frontal não conseguia lidar. Esta noite, em Bujuarelo, a única em parque de campismo, serviu para juntar forças para a última etapa e a mais difícil. Se eu já achava que o que tinha feito era puxado nem imaginava o que aí vinha!

Para completar a volta e regressar, tinha de ir para Panticosa e de seguida descer por estrada até Broto. Só que para isso tinha de fazer um caminho pedestre pelo Colado de Tendenera a cerca de 2400 metros de altitude. Isto era o plano delineado em casa só que, na prática e com uma bicicleta as coisas são muito diferentes. Depois de chegar ao Vale de Otal não tinha hipótese, tinha de ser com a bicicleta às costas e subir a montanha. Foram 8kms a carregar a bicicleta mais a mochila até ao outro lado, já na zona de Panticosa. Quase um dia inteiro só para esta travessia. E ainda tive um presente em forma de chuva quando passava pelo colado, seria estranho não apanhar chuva nos Pirinéus! As paisagens eram deslumbrantes e a descida com a luz de fim do dia a bater na enorme vertente do monte de Tendenera foi impressionante.

Chegado á estrada foi sempre a descer até Broto. Quase já não sentia as pernas, a mínima subida era um sacrifício. No final dos cerca de 160kms ficou a história e as fotografias e seria a última aventura de bicicleta que iria realizar. Isto até ter um bom motivo para regressar. Os meus filhos…

2 Comments

  1. Luís Romão

    Grande aventura, imagino que deve ter sido bem duro carregar essa bike e todo o material num sitio acidentado como esse. Parabéns pela aventura e obrigado pela partilha.

    • filmusimage

      Foi duro sim mas a experiência foi espectacular. Se bem que nos dias de hoje com uns suportes para transportar a bike às costas teria facilitado. Obrigado pelo comentário

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